Por Victor Moberger
Publicado na Psyche
Existem muitos tipos de pseudociências: astrologia, homeopatia, terraplanismo, antivacinas. Esses ‘campos’ envolvem afirmações bizarras com pretensões científicas. Em um nível superficial, essas afirmações parecem ser científicas e geralmente parecem abordar o mesmo tipo de coisas que a ciência aborda. No entanto, em uma inspeção mais detalhada, a pseudociência se revela uma baboseira: é indiferente à verdade. Analogamente à pseudociência, pode haver algo como a pseudofilosofia, onde há afirmações com pretensões filosóficas que, em uma inspeção mais detalhada, acabam se revelando uma baboseira? Eu acho que existe.
Vamos começar com o conceito de pseudofilosofia. Se há algo que mereça esse nome, então seria algo deficiente no que diz respeito às questões filosóficas da mesma forma que a pseudociência é deficiente no que diz respeito às questões científicas. Portanto, a fim de compreender a pseudofilosofia, devemos primeiro examinar mais de perto a forma como a pseudociência é deficiente e, então, ver se podemos encontrar algo análogo no domínio filosófico.
O que torna as crenças pseudocientíficas deficientes é que elas são formadas de maneira epistemicamente inconsciente. Isso quer dizer que essas crenças são formadas a partir de um raciocínio marcado pela confusão e desinformação. Por exemplo, a crença de que a Terra é plana pode ser sustentada apenas pelo desprezo obstinado das enormes quantidades de evidências que provam o contrário, acumuladas ao longo de vários séculos por várias ciências diferentes.
No entanto, tal inconsciência não pressupõe insinceridade ou charlatanismo. Um charlatão é alguém que tem uma agenda oculta, geralmente com fins lucrativos, e que é fundamentalmente indiferente ao fato de suas crenças serem verdadeiras. Muitas vezes, porém, a baboseira é produzida sem essa falta de sinceridade, pois uma pessoa pode se preocupar com a verdade de suas crenças sem de fato se importar em verificar tal verdade.
Um problema é que a maioria de nós carece de consciência epistêmica, pelo menos às vezes e até certo ponto. Para que algo seja considerado pseudociência, algum grau mínimo de inconsciência é, portanto, necessário. Uma boa regra para ser consciente é ficar de olho nas falácias clássicas, como ad hominem, espantalho, falso dilema e evidência suprimida. Essas falácias ocorrem em todos os tipos de contextos, mas na pseudociência ocorrem de forma mais sistemática.
A inconsciência epistêmica é um componente essencial, mas não amplo, da pseudociência. Para ser considerada pseudocientífica, uma crença também deve ser sobre algum assunto científico, e é precisamente aí que a pseudociência e a pseudofilosofia diferem. Assim como a pseudociência, a pseudofilosofia é definida por uma falta de consciência epistêmica, mas seu objeto é mais filosófico do que científico.
Grosso modo, a diferença entre as questões científicas e filosóficas é que as últimas não podem ser resolvidas de maneira direta por meio da investigação empírica. Se existe um Deus, por exemplo, ou se existem verdades morais objetivas, são questões que devem ser respondidas em grande parte por meio de reflexão a priori – caso haja respostas. Essas perguntas são, portanto, diferentes de perguntas como se a Terra é plana ou esférica, ou se o antraz é causado por bactérias, que têm respostas empiricamente acessíveis.
Existem dois tipos de pseudofilosofia, uma geralmente inofensiva e a outra insidiosa. A primeira variedade é geralmente encontrada em contextos científicos populares. É aqui que os escritores, normalmente com formação em ciências naturais, caminham com autoconfiança no território filosófico sem perceber e sem atenção cuidadosa às distinções e argumentos filosóficos relevantes. Frequentemente, as suposições empiristas implícitas na epistemologia, na metafísica e na filosofia da linguagem são consideradas como se fossem evidentes por si mesmas, e sem a consciência da ameaça que essas mesmas suposições representam para o próprio raciocínio do autor. Podemos chamar esse fenômeno de pseudofilosofia científica.
Um exemplo ilustrativo é o livro de Sam Harris The Moral Landscape (2010), no qual espantalhos são feitos devido ao fracasso de Harris em compreender o conteúdo de muitas das alegações e argumentos filosóficos que ele critica, como a lei de Hume (problema do ser – dever ser) e o argumento de questão aberta de G. E. Moore (ou seja, que nenhuma propriedade moral é idêntica a uma propriedade natural). Da mesma forma, em A Universe from Nothing (2012), Lawrence Krauss se envolve com argumentos filosóficos para o teísmo sem entendê-los adequadamente. Mais evidente, ele acaba criticando uma versão caricatural do chamado argumento cosmológico sobre a existência de Deus.
O tipo insidioso de pseudofilosofia, que focalizarei aqui, é um empreendimento acadêmico, desenvolvido principalmente nas ciências humanas e sociais. Não quero sugerir que as disciplinas em questão sejam inerentemente pseudofilosóficas, apenas que, por alguma razão, uma grande quantidade de pseudofilosofia ocorre dentro delas (embora isso varie muito entre as diferentes universidades e departamentos). Frequentemente, questões filosóficas são levantadas a respeito de conhecimento, verdade, objetividade, racionalidade e metodologia científica e, novamente, sem atenção consciente às distinções e argumentos filosóficos relevantes. Um traço característico é uma atitude deferente em relação a algum supostamente grande pensador ou pensadores europeus continentais, como G. W. F. Hegel, Karl Marx, Sigmund Freud, Carl Jung, Martin Heidegger ou Jean-Paul Sartre (que podem ou não ser culpados de pseudofilosofia). Normalmente, a prosa é infundida com terminologia misteriosa e jargão específico, criando uma aura de profundidade acadêmica. Podemos chamar esse fenômeno de pseudofilosofia obscurantista.
Embora a pseudociência seja particularmente propensa a falácias causais e seleção seletiva de dados, a falácia mais comum na pseudofilosofia obscurantista é o equívoco. Essa falácia explora ambiguidades em certos termos importantes, onde afirmações plausíveis, mas triviais, emprestam credibilidade aparente a outras interessantes, mas controversas. Quando desafiado, o obscurantista normalmente se protege por um escudo fornecido pela interpretação trivial de suas afirmações, apenas para reocupar o terreno controverso depois que o crítico sai de cena.
Deixe-me ilustrar como isso funciona, focando em Michel Foucault, uma das figuras centrais do pós-modernismo francês. Um tema central nos escritos de Foucault é uma crítica à noção de verdade objetiva. Embora existam controvérsias sobre a interpretação, pelo menos à primeira vista Foucault sustenta que a verdade é socialmente construída e sujeita a influências ideológicas e, portanto, não objetiva. No entanto, seus argumentos para essa afirmação têm foco inteiramente na forma pela qual o que é assumido ou acreditado como verdadeiro é influenciado pelo que ele chama de ‘poder’. Obviamente, é uma afirmação plausível que nossas suposições ou crenças são suscetíveis à influência ideológica, especialmente em áreas com grande carga emocional, como a política, mas também em áreas supostamente racionais, como a ciência. Mas Foucault não explica como essa observação um tanto mundana supostamente implica ou sustenta a afirmação filosoficamente controversa de que o que é verdade, ou quais fatos devemos aceitar (com relação à forma da Terra, por exemplo), é suscetível à influência ideológica. Em vez disso, ao usar a palavra ‘verdade’ de uma forma impressionista, a distinção entre crença e verdade é obscurecida, permitindo a Foucault fazer declarações aparentemente profundas, como:
“A verdade não está fora do poder, ou despida de poder: ao contrário de um mito cuja história e funções valeriam um estudo mais aprofundado, a verdade não é a recompensa dos espíritos livres, o filho da solidão prolongada, nem o privilégio de quem conseguiu se libertar. A verdade é uma coisa deste mundo: ela é produzida apenas em virtude de múltiplas formas de coação”.
Deixo como um exercício para o leitor eliminar a ambiguidade dessa afirmação e ver o que sobra dela.
Esse tipo de crítica falaciosa da noção de verdade objetiva é um aspecto particularmente pernicioso da pseudofilosofia obscurantista em geral. Muitas vezes, é devido a simples mal-entendidos (como confundir verdade com crença ou conhecimento), mas às vezes é devido mais à obscuridade intencional (como no caso de Foucault).
Talvez devido à sua aura de legitimidade e profundidade acadêmicas, a pseudofilosofia obscurantista é frequentemente usada para dar crédito a agendas políticas dogmáticas e belicosas, tanto na esquerda quanto na direita. Além disso, incentiva o pensamento confuso e autocomplacente em estudantes universitários e consome vastos recursos que poderiam ser melhor aproveitados.
Embora a pseudociência possa ser neutralizada pela educação científica, a cura para a pseudofilosofia não é a educação científica, mas a educação filosófica. Mais especificamente, é uma questão de desenvolver o tipo de habilidades básicas de pensamento crítico que são ensinadas aos alunos de graduação em filosofia. Isso não precisa ser nada sofisticado. Os alunos devem ser ensinados, por exemplo, a distinguir de forma disciplinada os assuntos relacionados aos conceitos filosóficos importantes, como crença, verdade, racionalidade e conhecimento. Eles devem estar cientes de como as ambiguidades podem ser exploradas por argumentos equivocados e se tornar hábeis em detectar outras falácias, como ad hominem e espantalho. Com essas ferramentas fundamentais em mãos, haveria muito menos pseudofilosofia circulando.