Por Steven Novella
Publicado na Neurologica
Uma das funções não oficiais do movimento cético é servir como uma forma de memória institucional. A pseudociência tende a ocorrer em ciclos. Cada geração ou duas ficam fascinadas com os mesmos tópicos apenas para eventualmente se cansar deles quando, no final das contas, não dão em nada. Os obstinados permanecem e mantêm a chama acesa até a próxima geração. Cada vez que um tópico paranormal ou duvidoso surge novamente, as mesmas evidências pobres, lógica desleixada, mitos comuns, jornalismo ingênuo e velhos clichês são apresentados. É aqui que entram os céticos. Somos como anticorpos que lembram a história e podem responder ao absurdo com muito mais rapidez e eficácia.
A fascinação por OVNIs (objetos voadores não identificados) aumentou e diminuiu algumas vezes nos últimos 60 anos. Após um período de relativa tranquilidade, o interesse está novamente em alta. Enquanto “OVNI” simplesmente se refere a algo no céu que não podemos identificar, todos sabem que estamos realmente falando sobre espaçonaves alienígenas. Quer você queira ser cauteloso, técnico ou explícito – é sempre sobre isso que as pessoas estão realmente falando. Desta vez, o governo estadunidense parece ser a causa do aumento do interesse, o que é uma ruptura com a narrativa padrão de que o governo sabe tudo sobre isso e está encobrindo.
Em 2007, o senador estadunidense Harry Reid queria saber se havia alguma coisa nesse papo de OVNIs. Isso levou a investigações do Pentágono e, eventualmente, à formação da Força-Tarefa de Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPTF). No mês que vem eles devem entregar seu relatório oficial ao Congresso, e é isso que deixa os jornalistas todos ansiosos. Eles adoram histórias como esta – você pode ter pessoas que parecem sérias com conexões com o governo falando sobre OVNIs (agora UAPs – da sigla em inglês para Fenômenos Aéreos Não Identificados), e sempre há a ideia de que esses podem ser alienígenas. Os funcionários do governo nunca irão endossar – ou negar – essa ideia. Eles seguem uma postura tímida. Só queremos saber o que está acontecendo. Algo interessante está acontecendo. Suas respostas parecem uma piscadela e um aceno de cabeça. Os jornalistas podem contar uma história sensacional com negação plausível e nunca precisam cavar fundo o suficiente para contar a história real.
Funcionários do governo, muitos dos quais parecem sinceros, mas alguns nem escondem seu real interesse (lembre-se daquele meme – “Não estou dizendo que são alienígenas, mas são alienígenas”), disfarçam seu interesse com a explicação semiplausível de que UAPs podem ser tecnologia estrangeira. Talvez os chineses estejam de repente 100 anos à nossa frente em aerodinâmica. Precisamos saber se isso é uma ameaça à segurança. Claro – mas o Pentágono pode investigar UAPs sem deturpar tão descaradamente a natureza e as implicações das evidências.
Vamos falar sobre essa evidência, o que foi divulgado ou vazado para o público até agora. Porque é aí que o bicho pega. Eu vou dizer de cara – é tudo um gigante compilado de nada. Não vimos uma única peça de evidência convincente, apenas o equivalente a aquelas “filmagens de pé-grande” – manchas, formas e pontos borrados sem contexto real de tamanho, distância ou velocidade. Basicamente, temos o mesmo nível de evidência (e os mesmos erros de análise) de 60 anos atrás. Há um motivo pelo qual nenhum vídeo está focado – porque as imagens focadas claramente não são nada interessantes. São aeronaves, balões, pássaros e até insetos. Quando estão fora de foco, de repente tornam-se misteriosos.
Mas, os entusiastas vão protestar, agora temos mais do que apenas esses vídeos péssimos fora de foco, sem qualquer referência de escala. Temos as testemunhas oculares do piloto. Aí vem o clichê do “observador treinado”, como se os pilotos de alguma forma fossem magicamente imunes a todas as ilusões de ótica que estão embutidas no cérebro humano. Eles não são. Eles são enganados tão facilmente quanto qualquer outra pessoa, e há muitos exemplos disso. Mas, agora também temos imagens de radar e infravermelho para fazer comparação com vídeos borrados. Mas isso apenas confirma que existe algo ali, não significa que o algo não seja um pássaro ou um avião. Mas, mas, mas… como você pode explicar as velocidades absurdas e as forças G que esses objetos estão puxando? O problema aqui é que esses cálculos são baseados em suposições errôneas sobre o que está sendo visto. Um objeto desaparece e reaparece longe – mas como você sabe que é o mesmo objeto?
Aqui está a demonstração final de que todas essas evidências são essencialmente inúteis. Existem agora numerosos casos com todas as características de um UAP – um observador treinado, evidência tripla, desempenho que desafia a física – e ainda, quando o objeto é finalmente identificado, ele acaba sendo um pássaro (por exemplo). OK, você pode argumentar, aquele era um pássaro, mas e todo o resto. A questão é, no entanto, se aquele pode ser um pássaro, apesar de todas as evidências impressionantes, isso significa que as evidências não são tão impressionantes. Isso significa que você pode ter todos esses recursos apresentados como uma prova cabal de que algo incomum está acontecendo quando não está. Em outras palavras – todos os recursos que tantos jornalistas e funcionários consideram impressionantes não são preditivos de algo realmente interessante acontecendo.
Felizmente, temos os céticos ufológicos dedicados desta geração que fazem investigação e análise reais e um trabalho detalhado – o tipo de coisa que você pensaria que o Pentágono (ou mesmo um jornalista sério) se envolveria. Mick West tem feito um excelente trabalho analisando esses vídeos e mostrando de forma convincente que eles são objetos mundanos como jatos comerciais. Um vídeo é apenas um efeito de lente bokeh, criando um desfoque em forma de triângulo. Existem outros vídeos de erros da percepção do infravermelho, como brilho e rotação aparente.
No artigo dos 60 minutos (que foi terrivelmente ingênuo), um piloto disse que tais encontros com UAP eram diários. Isso era para ser impressionante, mas na verdade abala a hipótese de que isso não é algo mundano. Um fenômeno tão comum e frequente que um piloto poderia encontrá-los diariamente seria difícil de esconder. Você poderia pensar que agora teríamos uma única evidência clara.
Este é um princípio geral que surge em campos muito diferentes. Se o fenômeno observado que você está vendo é extremamente comum, a causa deve ser igualmente comum, ou algo sistemático como um erro de percepção e interpretação.
Existem algumas coisas importantes que podemos afirmar aqui. Primeiro, não há nada nas evidências que vimos que seja uma evidência positiva para algo estranho ou além de nossas capacidades conhecidas (permitindo avanços incrementais). Não há nada claro, apesar do incrível avanço das câmeras e da tecnologia de gravação. Estamos de volta aos anos 1960.
Em segundo lugar, não é necessário formular a hipótese de nenhum fenômeno novo para explicar as evidências de que dispomos. Podemos explicá-los com objetos mundanos e ilusões de ótica. Se você fizer suposições falsas sobre a distância, todas as outras conclusões estarão erradas e podem criar a poderosa ilusão de movimentos impossíveis, mesmo de objetos mundanos. Na verdade, a hipótese de que os UAPs são todos objetos mundanos combinados com má interpretação de dados e ilusões de ótica é fortemente apoiada por aqueles casos em que uma resposta mundana clara foi demonstrada. Isso acaba com os argumentos para outros vídeos de qualidade semelhante.
No final, ficamos sem nada. Estamos exatamente no mesmo lugar que estávamos há 60 anos – a mesma evidência ambígua combinada com os mesmos argumentos inválidos. Nada mudou, exceto, talvez, a disposição do governo em falar sobre o assunto e divulgar vídeos. Se houvesse um novo fenômeno acontecendo (alienígenas ou qualquer outro), você pensaria que o aumento dramático no número e na qualidade das câmeras teria resultado em um aumento nas evidências claras. Mas não mudou. E a explicação mais simples para esse fato é que os UAPs não são nada novo ou interessante, apenas a mesma evidência ambígua e má interpretação.