Por Stephen Barrett
Publicado na Quackwatch
“Medicina alternativa” virou o termo politicamente correto para práticas questionáveis anteriormente rotuladas como charlatanescas e fraudulentas. Durante os últimos anos, a maioria das reportagens na imprensa não tem incluído nenhuma avaliação crítica e tem destacado os pontos de vista dos proponentes e seus clientes satisfeitos.
Definições vagas causam confusão
Para evitar confusão, os métodos “alternativos” deveriam ser classificados como genuínos, experimentais ou questionáveis. Alternativos genuínos são métodos comparáveis que satisfizeram os critérios baseados na ciência de segurança e eficácia. Alternativos experimentais não são comprovados, mas tem uma base racional plausível e estão sendo submetidos à investigação responsável. O mais notável é o uso de uma dieta de 10% de gordura para tratar doenças coronarianas. Alternativos questionáveis são infundados e carecem de uma base racional cientificamente plausível. O representante é a homeopatia, cujas alegações de que “remédios” tão diluídos que não contêm nenhum ingrediente ativo podem exercer efeitos terapêuticos poderosos. Alguns métodos se encaixam em mais de uma categoria, dependendo das alegações feitas para eles. Ignorar essas distinções possibilita aos promotores do charlatanismo argumentar que como algumas práticas rotuladas de “alternativas” têm méritos, o restante merece consideração e respeito igual. Entretanto, sabe-se o bastante para concluir que a maioria dos “alternativos” questionáveis são inúteis.
Uma maneira ainda melhor para evitar confusão é separar os métodos em três grupos: (1) aqueles que funcionam, (2) aqueles que não funcionam e (3) aqueles sobre os quais não temos certeza. A maioria dos métodos descritos como “alternativos” caem no segundo grupo. Um editorial de 1998 do Journal of the American Medical Association (JAMA) fez a mesma observação de uma outra maneira:
“Não existe nenhuma medicina alternativa. Existe apenas a medicina baseada em evidências, comprovada cientificamente apoiada por dados sólidos ou a medicina não comprovada, para a qual não há evidência científica. Se uma prática terapêutica é “ocidental” ou “oriental”, se é convencional ou não, ou se envolve técnicas de mente-corpo ou genética molecular é em grande parte irrelevante exceto para propósitos históricos ou interesse cultural. Reconhecemos que existem muitos tipos diferentes de profissionais e proponentes das várias formas de medicina alternativa e medicina convencional, e que há grandes diferenças nas habilidades, capacidades e crenças individuais e a natureza de suas práticas atuais. Além disso, as forças econômicas e políticas nessas áreas são grandes e progressivamente mais complexas e têm a capacidade para serem altamente contenciosas. Todavia, como seguidores da ciência e da evidência, devemos nos concentrar em assuntos fundamentais – ou seja, o paciente, a doença ou condição alvo, o tratamento proposto ou praticado e a necessidade por dados convincentes sobre a segurança e a eficácia terapêutica [1]”.
O “movimento alternativo” é parte de uma tendência geral da sociedade voltada para a rejeição da ciência como um método para determinar verdades. Esse movimento adota a doutrina pós-moderna de que a ciência não é necessariamente mais válida que a pseudociência [2]. Em sintonia com essa filosofia, os proponentes “alternativos” asseguram que a medicina científica (a qual eles rotulam erroneamente como medicina alopática, convencional ou tradicional) é apenas uma entre uma vasta série de opções de assistência à saúde. Os proponentes “alternativos” frequentemente ganham a simpatia do público por se retratarem como uma minoria sitiada lutando contra um “establishment” monolítico, autossuficiente.
As regras da ciência
De acordo com as regras da ciência, a pessoa que faz a alegação carrega o ônus da prova. É de sua responsabilidade conduzir estudos adequados e relata-los em detalhes suficientes para permitir a avaliação e a confirmação por outras pessoas. Ao invés de sujeitarem seus trabalhos aos padrões científicos, os promotores dos métodos “alternativos” questionáveis gostariam de mudar as regras pelas quais eles são julgados e regulados. Promotores “alternativos” podem louvar da boca para fora esses padrões. Entretanto, eles consideram a experiência pessoal, o julgamento subjetivo e a satisfação emocional como preferenciais à objetividade e evidência sólida. Ao invés de conduzirem estudos científicos, utilizam anedotas e testemunhos para promover suas práticas e manobras políticas para manter as agências reguladoras fora do seu caminho. Como apontado em um editorial do New England Journal of Medicine:
“O que mais faz com que a medicina alternativa fique de lado… é que não tem sido testada cientificamente e seus defensores negam enormemente a necessidade para esses testes. Por testar, queremos dizer a disposição de evidência rigorosa de segurança e eficácia, como exigida pelo Food and Drug Administration (FDA) para aprovação de drogas e pelas melhores revista médicas indexadas para a publicação de relatos de pesquisa. É claro que muitos tratamentos utilizados na medicina convencional não foram rigorosamente testados, mas a comunidade científica geralmente reconhece que isso é uma falha que precisa ser remediada. Muitos defensores da medicina alternativa, em contraste, acreditam que o método científico simplesmente não é aplicável aos seus remédios… A medicina alternativa também se distingue por uma ideologia que ignora largamente os mecanismos biológicos, frequentemente menospreza a ciência moderna e confia naquilo que é caracterizado como sendo práticas antigas e remédios naturais (os quais são vistos como de alguma forma simultaneamente mais potentes e menos tóxicos que os remédios convencionais). Consequentemente, ervas ou misturas de ervas são consideradas superiores aos compostos ativos isolados no laboratório. E métodos de tratamento como a homeopatia e o toque terapêutico são fervorosamente promovidos apesar de não apenas carecerem de boas evidências clínicas de eficácia, mas apresentarem um fundamento lógico que viola as leis científicas fundamentais – certamente uma circunstância que exige mais, ao invés de menos, evidência [3]”.
O Archives of Dermatology da AMA recentemente publicou pontos de vistas semelhantes de um médico alemão:
“Quando deliberando sobre a essência da medicina alternativa nós deveríamos simultaneamente refletir sobre as bases intelectuais e morais da medicina regular… (1) medicina alternativa e regular estão falando idiomas diferentes; (2) medicina alternativa não é medicina inconvencional; (3) o paradigma da medicina regular é o pensamento racional; (4) o paradigma da medicina alternativa é o pensamento irracional; (5) a presente popularidade da medicina alternativa pode ser explicada pelo romantismo; (6) alguns conceitos da medicina alternativa são falsos e outros não; (7) a medicina alternativa e a medicina baseada em evidências são mutuamente exclusivas; (8) o efeito placebo é um fator importante na medicina regular e o princípio terapêutico exclusivo da medicina alternativa; (9) medicina regular e alternativa têm objetivos diferentes: a chegada da idade versus fidelidade; (10) medicina alternativa nem sempre é segura; (11) medicina alternativa não é econômica; e (12) medicina alternativa sempre existirá. O fato de que métodos alternativos são atualmente uma parte integral da medicina como ensinada nas universidades alemãs, bem como na lista de honorários médicos, representa uma aberração coletiva da mente que espero que durará por apenas um curto período de tempo [4]”.
Quando alguém se sente melhor após ter utilizado um produto ou procedimento, é natural que se dê crédito para qualquer coisa que se tenha feito. Isso é insensato, todavia, porque muitas doenças se resolvem sozinhas e aquelas que persistem podem ter sintomas variáveis. Mesmo condições graves podem ter variações diárias suficientes para fazer com que os métodos inúteis conquistem muitos seguidores. Além disso, tomar uma ação frequentemente produz alívio temporário dos sintomas devido ao efeito placebo. Esse efeito é uma mudança benéfica na condição de uma pessoa que ocorre em resposta a um tratamento, mas que não é devido aos aspectos farmacológicos ou físicos do tratamento. Acreditar no tratamento não é essencial, mas o efeito placebo pode ser acentuado por fatores como fé, atenção simpática, alegações sensacionais, testemunhos e o uso de tabelas, aparelhos e terminologias que parecem científicos. Outra desvantagem das histórias de sucessos individuais é que elas não indicam quantos fracassos podem ter ocorrido para cada sucesso. Pessoas que não estão cientes desses fatos tendem a dar crédito imerecido ao métodos “alternativos”.
O fato de que um método “alternativo” possa exercer um efeito placebo que alivia sintomas não é razão suficiente para justificar seu uso. A terapia deve ser baseada na capacidade para alterar a fisiologia anormal e não a capacidade para obter um efeito placebo menos previsível. A terapia placebo é inerentemente enganadora e pode fazer os pacientes acreditarem que algo é eficaz quando não é. Sem ensaios clínicos controlados, qualquer tratamento que é utilizado poderia receber o crédito pela habilidade de recuperação natural do corpo.
“Fatos” médicos são determinados através de um processo no qual centenas de milhares de cientistas compartilham suas observações e crenças. Editores e comitês editoriais de periódicos científicos exercem um papel importante por restringirem achados inválidos e possibilitarem que os achados significativos sejam publicados. Mesas-redondas de especialistas convocados por agências do governo, grupos profissionais, agências voluntárias de saúde e outras organizações também contribuem nesse esforço. Quando surgem controvérsias, pesquisas posteriores podem ser planejadas para por fim às desavenças. Gradualmente, um conjunto compartilhado de opiniões é desenvolvido do que é considerado cientificamente acurado.
Ciência versus vitalismo
A ciência assume que de modo a desenvolver um corpo coerente de conhecimento, é necessário assumir que poderes sobrenaturais não existem ou, se eles existem, não interferem. Se essa interferência fosse possível, então todas tentativas em experimentos controlados seriam ou impossíveis ou sem sentido.
Muitas abordagens “alternativas” estão arraigadas no vitalismo, o conceito de que as funções corporais são devido a um princípio vital ou “força da vida” distinto das forças físicas explicáveis pelas leis da física e da química e detectáveis pela instrumentação científica. Os praticantes cujos métodos são baseados na filosofia vitalista sustentam que as doenças deveriam ser tratadas pela “estimulação da habilidade do corpo para curar a si mesmo” ao invés de “tratar os sintomas”. Os homeopatas, por exemplo, alegam que as doenças são devido a um distúrbio da “força vital” do corpo, o qual eles podem corrigir com remédios especiais, ao passo que muitos acupunturistas alegam que a doença é devido ao desequilíbrio no fluxo da “energia vital” (chi ou Qi), o qual eles podem equilibrar espetando agulhas na pele. Muitos quiropráticos alegam auxiliar a “Inteligência Inata” do corpo ajustando a coluna do paciente. Naturopatas falam da “Vis Medicatrix Naturae”. Médicos ayurvedicos se referem ao “prana”. Assim por diante. As “energias” postuladas pelos vitalistas não podem ser medidas pelos métodos científicos.
Ainda que os vitalistas frequentemente simulem ser científicos, eles realmente rejeitam o método científico com suas suposições básicas da realidade material, mecanismos de causa e efeito e a testabilidade de hipóteses. Consideram a experiência pessoal, julgamento subjetivo e a satisfação emocional como preferenciais à objetividade e evidência sólida.
Alguns proponentes “alternativos” são médicos que se desviaram do pensamento científico. Os fatores que os motivam podem incluir pensamentos delirantes, interpretação errônea de experiências pessoais, considerações financeiras e satisfação derivada da notoriedade e/ou adulação do paciente.
Super alegações e propagandas extravagantes
Promotores “alternativos” frequentemente alegam que suas abordagens promovem a saúde geral e é custo-eficaz contra problemas crônicos de saúde. Em um artigo, por exemplo, o presidente da American Holistic Association alegou que vários “hábitos saudáveis básicos” poderiam “abrir uma fonte de energia física vivenciada como um estado de vitalidade relaxada”. [5] Além de se exercitar, ingerir uma dieta nutritiva e dormir o suficiente, a lista inclui respiração abdominal, tomar “uma bateria completa de antioxidantes e suplementos”; e “acentuar a habilidade do corpo para receber e gerar bioenergia” através de tratamentos regulares de acupuntura, acupressão, toque terapêutico, terapia craniossacral, qigong e diversas outras modalidades não padronizadas. Até aonde sei, não há nenhuma evidência publicada de que os praticantes “alternativos” são mais eficazes que os médicos da corrente principal em persuadir seus pacientes a melhorar seus estilos de vida. Tampouco qualquer abordagem vitalista nunca provou ser eficaz ou custo-eficaz contra qualquer doença.
O presidente do National Council Against Health Fraud William T. Jarvis, Ph.D., apontou:
“Algumas técnicas referidas como “alternativas” podem ser apropriadamente utilizadas como parte da arte da assistência ao paciente. Técnicas de relaxamento e massagens são exemplos. Porém, os procedimentos ligados a sistemas de crenças que rejeitam a própria ciência não têm lugar na medicina responsável. Procedimentos inúteis não adicionam nada ao resultado, apenas às despesas”.
Muitas reportagens da imprensa têm exagerado o significado do Departamento de Medicina Alternativa (DMA) do National Institutes of Health (NIH). A criação desse departamento foi influenciada pelos promotores de terapias questionáveis do câncer que queriam que fosse dada mais atenção aos seus métodos. A maioria dos membros da mesa-redonda de conselheiros do DMA tem sido promotores de métodos “alternativos” e nenhuma de suas publicações foi analisada por qualquer método. Em 1994, o primeiro diretor demitido do DMA, acusou que interferências políticas dificultaram sua habilidade para levar a cabo a missão do DMA de uma maneira científica [6]. O DMA tem financiado muitos estudos relacionados aos métodos “alternativos”. Entretanto, resta ver se esses estudos trarão resultados úteis. Mesmo se alguns trouxerem, é improvável que seus benefícios superem a publicidade lucrativa dada aos métodos questionáveis. Em 1998, o Congresso americano elevou o DMA para a categoria de um centro do NIH com um orçamento anual de 50 milhões de dólares. A agência é agora chamada de National Center for Complementary and Alternative Medicine (NCCAM).
Referências
- Fontanarosa PB, Lundberg GD. Alternative Medicine Meets Science. JAMA 280:1618-1619, 1998.
- Sampson W. Antiscience Trends in the Rise of the “Alternative Medicine” Movement. In Gross PR, Levitt N, Lewis MW (editors). The Flight from Science and Reason. New York: New York Academy of Sciences, 1996, pp 188197.
- Angell M, Kassirer J. Alternative Medicine – The Risks of Untested and Unregulated Remedies. New England Journal of Medicine 339:839-841, 1988.
- Happle R. The Essence of Alternative Medicine – A Dermatologist’s View From Germany. Archives of Dermatology 134:1455-1460, 1998.
- Inker R. Basic Training For Holistic Medical Practice: Nurturing Your Body. Holistic Medicine Winter 1997, pp 4-5.
- Marshall E. The Politics of Alternative Medicine. Science 265:20002002, 1994.