Traduzindo por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Uma bactéria que vive nas profundezas do subsolo, sobrevivendo de reações químicas desencadeadas pelo decaimento radioativo, tem feito isso estando quase inalterada há milhões de anos, descobriram uma nova pesquisa.
Uma análise genética de micróbios da espécie Candidatus Desulforudis audaxviator (CDA) coletados em três continentes diferentes revelou que a bactéria quase não evoluiu desde a última vez que estiveram juntos na mesma massa de terra, Pangeia.
Isso significa que eles estiveram no que os cientistas chamam de “estase evolutiva” por pelo menos 175 milhões de anos, tornando o CDA o único fóssil microbiano vivo subterrâneo conhecido. Isso pode ter implicações importantes para a nossa compreensão da evolução microbiana.
“Esta descoberta mostra que devemos ter cuidado ao fazer suposições sobre a velocidade da evolução e como interpretamos a árvore da vida”, disse o microbiologista Eric Becraft, da Universidade do Norte do Alabama (EUA).
“É possível que alguns organismos entrem em um passo evolutivo veloz, enquanto outros desaceleram para um passo muito lento, desafiando o estabelecimento de cronogramas moleculares confiáveis.”
CDA é um pequeno organismo peculiar. Foi descoberto pela primeira vez em 2008, vivendo 2,8 quilômetros abaixo da superfície da Terra, nas águas subterrâneas de uma mina de ouro na África do Sul. Além disso, compreendia 99,9 por cento dos microrganismos no local em que foi encontrado – constituindo efetivamente um ecossistema de uma única espécie.
Como você pode imaginar, isso é muito raro. Os minúsculos micróbios vivem em cavidades cheias de água na rocha, contando com a quimiossíntese para se alimentar; ao contrário da fotossíntese, que depende da luz solar para a conversão em energia, os organismos quimiossintéticos derivam sua energia de reações químicas.
No caso do CDA, é a decomposição das moléculas de água devido à radiação ionizante gerada pelo decaimento radioativo do urânio, potássio e tório.
Portanto, ao contrário da maioria da vida na Terra, a bactéria não depende da luz do sol ou de outros organismos para sua sobrevivência – ela pode simplesmente viver lá embaixo na escuridão encharcada.
A equipe queria aprender mais sobre o CDA e como ele evoluiu e se adaptou, então eles pesquisaram amostras de águas subterrâneas profundas de outros continentes e encontraram a bactéria na Sibéria e na Califórnia, e em outros locais na África do Sul.
Eles coletaram 126 micróbios de todos os três continentes e – sendo extremamente cuidadosos, com os investigadores de cada laboratório não chegando perto dos outros – sequenciaram seus genomas. Eles pensaram que, comparando os micróbios de continentes separados, em ambientes físico-químicos diferentes, eles veriam as maneiras pelas quais eles evoluíram e se diversificaram à medida que cada um se adaptava às suas circunstâncias particulares.
“Queríamos usar essa informação para entender como eles evoluíram e que tipo de condições ambientais levam a que tipo de adaptações genéticas”, disse o microbiologista Ramunas Stepanauskas, do Laboratório Bigelow para Ciências Oceânicas, no Maine (EUA).
“Pensamos nos micróbios como se fossem habitantes de ilhas isoladas, como os tentilhões que Darwin estudou nas Ilhas Galápagos.”
Eles não tinham razão para não acreditar nisso – como um micróbio isolado 3 quilômetros abaixo do solo na África do Sul poderia ter contato com um micróbio isolado 3 quilômetros abaixo do solo na Sibéria? Ainda assim, quando a equipe comparou os genomas, eles descobriram que os micróbios nos três continentes eram quase idênticos.
Uma investigação mais detalhada não revelou nenhuma evidência de que o CDA pode sobreviver na superfície ou no ar, muito menos viajar grandes distâncias, e eles verificaram se não houve contaminação cruzada das amostras. Uma vez que tudo isso foi descartado, os pesquisadores tiveram que encontrar uma resposta diferente.
A explicação mais plausível? Os micróbios mal evoluíram.
“A melhor explicação que temos no momento é que esses micróbios não mudaram muito desde que suas localizações físicas se separaram durante a divisão do supercontinente Pangeia, cerca de 175 milhões de anos atrás”, disse Stepanauskas.
“Eles parecem ser fósseis vivos daquela época. Isso parece bastante louco e vai contra a compreensão contemporânea da evolução microbiana.”
Sabemos que as bactérias podem evoluir com extrema rapidez; na verdade, esse tem sido um grande problema no desenvolvimento de antibióticos, uma vez que alguns micróbios foram capazes de desenvolver resistência a esses medicamentos. Na verdade, não ouvimos falar do cenário oposto. Alguns cientistas sugeriram que algumas espécies de cianobactérias podem estar em estado de estase evolutiva, embora isso tenha sido contestado.
O CDA pode ser o melhor caso de estase evolutiva em um micróbio. A equipe acredita que pode acontecer isso porque os micróbios têm mecanismos especializados que os ajudam a resistir à mutação. Os pesquisadores identificaram genes para mecanismos de reparo de DNA que podem reduzir as taxas de mutação, junto com a polimerase – as enzimas que unem as longas cadeias de material genético – que tem uma precisão melhor do que a observada em alguns outros organismos.
Isso tem aplicações potenciais em biotecnologia, de testes diagnósticos à terapia genética, disseram os cientistas. Além de como podemos usá-lo para nosso próprio benefício, entretanto, a descoberta nos mostra o quão pouco não sabemos sobre nosso estranho, maravilhoso e diverso planeta.
“Essas descobertas são um poderoso lembrete de que os vários ramos microbianos que observamos na árvore da vida podem diferir muito desde seu último ancestral comum”, disse Becraft.
“Entender isso é fundamental para entender a história da vida na Terra.”
A pesquisa foi publicada no The ISME Journal.